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Corumbá ocupada sem resistência


                                 Francisco Solano Lopes, ditador paraguaio




Após a tomada do forte de Coimbra no dia 28 de dezembro, as forças paraguaias, sem resistência, entram triunfalmente em Corumbá, em 3 de janeiro de 1865. O episódio é acompanhado pelo historiador Other de Mendonça:

A coluna paraguaia ao mando do Coronel Vicente Barrios, cunhado do marechal Solano Lopez, a 3 de janeiro de 1865, efetua desembarque e ocupação de Corumbá, abandonada desde o dia anterior.

Do navio-chefe, fundeado junto à Mesa de Rendas, o comandante da expedição assistiu ao desfilar das tropas, divididas em duas seções, sobressaindo o fardamento novo, de um vermelho vivo, dos batalhões sexto e sétimo, este ocupando a vanguarda. Parte da expedição já havia ocupado a povoação do Ladário.

Pelas ladeiras que punham em comunicação o porto com a parte alta da vila, a força invasora serpeava em marcha acelerada, armas em prontidão, penetrando desembaraçadamente nas poucas ruas então existentes na localidade.

De quando em quando ponteando aqui e ali, raros moradores apareciam, confiantes nas suas imunidades de estrangeiros e abrigados sob as bandeiras das respectivas nacionalidades; os naturais que não puderam fugir por água internaram-se, desamparados, pelos matos vizinhos, sem guia e sem recursos".¹

Sobre o episódio, Barrios encaminha ao ministro da guerra de seu país a seguinte parte:

"Viva a Republica do Paraguay.- Sr. ministro.-
Tenho a honra de participar a V. Ex. que se acham em
nosso poder Albuquerque e Corumbá.

O pavilhão nacional tremula nesta ultima desde 3 do corrente, dia da minha chegada.

A população brasileira e guarnição destes pontos tinham-se retirado antes da nossa chegada por notícias transmitidas oportunamente pelo barão de Villa Maria, segundo declarações tomadas.  Estamos pois de posse destes pontos sem queimar um só cartucho, tendo sido a fuga do inimigo tão precipitada que deixou, como em Coimbra, toda a artilharia, armamento geral, munições e apetrechos de guerra. 

A canhoneira Anhambahy foi perseguida e tomada por abordagem no dia 6 do corrente no rio S. Lourenço pelos vapores desta divisão.

O quartel de Dourados se encontrou também abandonado.

Os vapores Ipora e Apa que fizeram o reconhecimento do Rio de S. Lourenço aprezaram o já citado vapor Anhambahy, cuja tripulação pereceu em parte, escapando-se alguns, e prisioneiros outros, comportando-se bizarramente o 1º tenente de marinha, cidadão André Herreros, a quem havia confiado esta missão e
comandava o Ipora, que deu abordagem.

Os vapores Taquari e Marquez de Olinda estão no quartel dos Dourados, onde também o inimigo abandonou um grande parque.

O povoado de Corumbá caiu em nosso poder com a maior parte de suas casas saqueadas pelos poucos habitantes que se encontraram, porém desde a chegada das nossas tropas pôs-se termo a tal desordem. 

Informado que muitas famílias fugindo deste povoado se acham metidas pelas matas, dispus que dous vapores e força de terra as recolham e devolvam ás suas casas, e neste momento me avisam que chega o Paraguai com muitas famílias, e quando as tiver desembarcado voltará ao mesmo objecto.

Enquanto dou a V. Ex. uma parte detalhada, aproveito
o regresso do 2º tenente Godoy no vapor inglês Ranger, chegado ontem, para dar a V. Ex. esta primeira noticia.

Deus guarde a V. Ex. por muitos anos. Acampamento em

Corumbá, 10 de Janeiro de 1865.- Vicente
Barrios.

A S. Ex. o Sr. ministro da guerra e marinha.

Viva a Republica do Paraguay.²

Ainda sobre a ocupação do Corumbá, o coronel Vicente Barrios inclui detalhes neste amplo relatório aos seus superiores sobre os primeiros dias da invasão ao território brasileiro: 


As 5 e 1/2 da tarde do dia seguinte, depois de haver conferido o mando do ponto ao subtenente  Feliz Vera e de haver ordenado o embarque,  pus-me em marcha sobre Corumbá, não sem antes haver-me assegurado de que Albuquerque possuía recursos suficientes em gado e estabelecimentos agrícolas para a manutenção da guarnição, julguei prudente continuar por água com as forças de meu  comando, porque, embora haja um caminho terrestre, não possuía a mobilidade suficiente para esta operação de dispunha de uma pessoa de bastante confiança para servir de guia.

Pelos informe obtidos sabia por outra parte,que, há pouco menos de 2 léguas, poderia dispor de um sdesembarcadouro.

Na tarde do dia seguinte 3 do corrente, cheguei  ao lugar citado e ordenei  que a tropa do desembarque saltasse à terra, operação que se deu com brevidade. Pelo silêncio observado nas choças situadas na imediação se via o abandono do local e na noite foram feitas explorações que na manhã do dia seguinte levaram o capitão Fleitas com as 4 companhias de infantaria encarregadas por este serviço, adquirindo a notícia de que as autoridades civis e militares do lugar haviam fugido com sua guarnição e moradores para Cuiabá.

Ao mesmo tempo se observou uma bandeira branca em direção à povoação  e o Rio Apa foi despachado para saber o que importava aquele sinal no rio e encontrando pelo caminho uma canoa se apresentaram os negociantes estrangeiros D. Nicolas Canaria Manuel Cavassa e Juan Viacaba que vinham pedir auxílio e proteção a esta divisão contra os saqueadores de casas, que vinham destroçando a cidade abandonada e sendo trazidos à minha presença deram informes circunstanciados sobre o acontecido em Corumbá.

Tão pronto como recebi esta notícia mandei a competente ordem ao capitão Fleitas, destinando ao tenente Gorostiaga com sua companhia para restabelecer a ordem.

Segundo dados obtidos os vapores brasileiros Anhambay e Jauru e a escuna Jacobina haviam saído com tropas do porto de Corumbá, somente um dia antes de nossa chegada. Com esta notícia despachei os vapores Yporã e Rio Apa, que por seu calado permitiam subir o rio São Lourenço em perseguição dos navios brasileiros, assim como reconhecer e explorar aquele rio, porém, por falta de combustível suficiente estas embarcações não puderam partir se não na manhã do dia 4.

Confiei o comando desta expedição de exploração ao tenente de marinha Andres Herrero.

O tenente Jara não tendo encontrado colonos nem cavalos e somente gado trouxe informação de que o barão de Vila Maria tem cavalos e mulas.

A fuga dos chefes brasileiros foi tão precipitada que abandonaram todos os seus recursos, até seus próprios soldados, dispersos em diferentes direções.

A artilharia tomada aqui compõe-se de 23 peças de bronze das quais remeto 17, ficando 6.

A comissão naval de perseguição e exploração encontrou a 6 léguas mais ou menos acima de Corumbá a escuna Jacobina abandonada e atracada em terra. O tenente Herreros mandou tripular e navegar águas abaixo e apresentar-se ao capitão Meza, chefe da frota.

Das averiguações feitas a este respeito, resulta que esta embarcação é de propriedade estrangeira , a mesma em que haviam saído águas acima as tropas de Corumbá, razão porque a conservo para serviços ulteriores, como embarcação tomada em serviço do inimigo.

Para ter notícias de Albuquerque e principalmente para ver se tinha alguns cavalos, despachei no dia 5 o subtenente Manuel Delgado com 20 de tropa, que regressou dando conta de que não viu novidade daquela guarnição e de que não havia encontrado cavalos e somente gado bovino em abundância.

Não sendo de fácil vigilância a embocadura do rio Mbotetey, mandei apostar ali a guarda conveniente.

Quando nossas forças chegaram aqui, a maior parte das casas estavam abertas e saqueadas e em presença e em função disso foram tomadas medidas severas, estabelecendo uma polícia que responde pela segurança e tranquilidade pública. Foram apreendidos quatro criminosos estrangeiros no ato de roubar casas, que serão julgados segundo as leis militares.

Na tarde do dia 6 chegaram um cabo e 2 soldados brasileiros que vinham  de Miranda em canoa e foram tomados com as correspondências oficiais de que estavam encarregados, entre as quais três referentes à tomada das colônias de Miranda e Dourados por forças paraguaias, como o verá E. Exa.

Este chasque foi despachado da vila de Miranda no dia 1°, encontrou-se com outro que levava a notícia da tomada de Coimbra e Albuquerque.

Como o quartel de Dourados, situado a poucas léguas da embocadura do São Lourenço à coisa de 30 acima deste lugar, pudesse haver resistência o Yporã e o Rio Apa, no caso menos provável de que houvesse sido abandonado este lugar, que se pode chamar de arsenal militar, dispus que os vapores Taquari e Marquês de Olinda arribassem até lá para dele apoderar-se.

Das declarações indagatórias tomadas a estrangeiros e brasileiros, resultam que o tenente-coronel Porto Carreiro, comandante de Coimbra, no momento em que chegou a Corumbá havia sido posto em prisão e enviado na qualidade de réu a Cuiabá a bordo do vapor Corumbá pelo comandante de armas Carlos Augusto de Oliveira.

Os vapores Anhambay e Jauru partiram daqui na véspera de nossa chegada, transportando famílias e tropas. Um pailebot brasileiro, uma escuna e uma chalana de propriedade estrangeira serviram também para o transporte de pólvora e de mais de 3.000 homens de tropa.

Os canhões, munições  e demais petrechos de guerra que estão aqui havia sido trazidos, segundo parece, recentemente de Miranda por disposição do comandante de armas.

Segundo a declaração do cabo vindo de Miranda aquele ponto está guarnecido pelo 14 de Caçadores com nove oficiais, sob o comando do capitão Motta, contando com duas peças de artilharia.

A guarnição de brasileira de Corumbá havia feito preparativos de defesa, colocando baterias no barranco em frente à cidade e a três quartos de légua abaixo, estendendo correntes através  dó rio para impedir a passagem de nossos vapores.

Na tarde do dia 8 chegou aqui de regresso o Yporã trazendo a notícia do encontro e tomada do vapor inimigo Anhambay que ganhando a embocadura do rio São Lourenço foi perseguido águas acima em sua precipitada fuga pelo Yporã, sendo mais lenta a marcha do Rio Apa que o IYporã.

Nesta perseguição e durante seis léguas o Anhambay havia feito forte fogo sobre o Ypora que sem contestá-lo procurava dar-lhe caça, como  com efeito lhe deu, tomando-lhe por abordagem por sua tripulação e os poucos infantes comandados pelo alferes Pedro Garay.  O último tiro dado pelo Anhambay antes das abordagem acertou o subtenente  Gregório Benitez que guardava bem seu posto, sendo esta a única baixa que tivemos.

A maior parte da tripulação do Anhambay foi morta atirando-se n’água , de onde escaparam alguns, fazendo-se sete prisioneiros entre eles o 2° comandante.

Imediatamente que o tenente Herreros tomou o Anhambay içou em seu topo a bandeira nacional e tripulando seguiu adiante em perseguição aos demais vapores brasileiros depois de haver despachado o Ypora a trazer-me a notícia do sucesso, os prisioneiros feitos e o aviso do recente abandono do quartel de Dourados com muitos artigos de guerra.

O Taquari e o Olinda estão atualmente no quartel de Dourados, de onde o alferes Fernandez, comandante do Ypora trouxe também quatro canhões e seis lanchões carregados de pólvora e outros objetos bélicos.

O Rio Apa acompanha agora o Anhambay e dentro de breves dias espero notícias da exploração e perseguição encomendada ao tenente Herreros.

Vão chegando as famílias que se buscam nos desertos destes arredores. A população deste lugar foi extraviada nos morros e pantanais pelas aterradoras notícias que lhes foram trazidas pelo barão de Vila Maria e confirmadas pelos fugitivos de Coimbra.³


FONTE: ¹Estevão de Mendonça, Datas Matogrossenses, 2ª edição, Governo de Mato Grosso, página 19; ² Antonio Correa do Couto, Dissertação sobre o atual governo da República do Paraguai, Tipografia do Imperial Instituto Artístico, Rio de Janeiro, 1865, página 44. ³El Semanário (PY) Assunção, 14 de janeiro de 1865.



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